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Friday, 20 January 2023 12:01

O DIREITO AGRÁRIO E A FORMAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO NO BRASIL: POLÍTICAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E TERRAS DEVOLUTAS

Escrito por Carlos Henrique de Morais Souto Pantoja

Essa pesquisa traz uma nova compreensão do Direito Agrário, a partir da formação do espaço agrário brasileiro, com enfoque nas políticas de regularização fundiária e sobre as terras devolutas. A colonização do Brasil consistiu em um período de dominação e violência sobre os Povos Indígenas e Africanos, bem como na escravidão e no genocídio, além da formação dos latifúndios e dos conflitos sobre a indefinição das terras devolutas. Nesse sentido, o problema da regularização fundiária e sobre as terras devolutas ainda está presente nos dias atuais. Nesse contexto, a principal justificativa do tema se refere a importância e atualidade desses dois temas. A pergunta que norteia o trabalho é: Como enxergar o Direito Agrário a partir da formação do espaço agrário brasileiro, sobretudo quanto as políticas de regularização fundiária e sobre as terras devolutas? O objetivo geral é compreender como foram implementadas as políticas de regularização fundiária e sobre as terras devolutas e as suas influências na formação do espaço agrário no Brasil. Especificamente, pretende-se: a) fazer um estudo sobre a formação do espaço agrário brasileiro, tendo como ponto de partida a colonização e a escravidão; b) compreender as políticas de regularização fundiária e sobre as terras devolutas ao longo da História do Brasil e; c) discutir sobre a efetividade da regularização fundiária. A metodologia utilizada é a hipotético-dedutiva, por meio da técnica de revisão bibliográfica.

 

Carlos Henrique de Morais Souto Pantoja

Palavras-chave: Direito Agrário. Direito de Propriedade. Lei de Terras de 1850. Regularização Fundiária. Terras Devolutas.

INTRODUÇÃO

A colonização do Brasil consistiu em um período de dominação e violência sobre os Povos Indígenas e Africanos, bem como na escravidão e no genocídio, além da formação dos latifúndios e da indefinição sobre as terras devolutas. Nesse sentido, o problema da regularização fundiária e sobre as terras devolutas ainda está presente nos dias atuais. 

Com os objetivos de expandir os seus mercados e dominar novos territórios, os países europeus saíram em busca de ouro, terra e riquezas naturais que pudessem ser transformadas em lucro. Nesse cenário, Portugal chegou ao território brasileiro, que se encontrava habitado pelos Povos Indígenas em seus processos de desenvolvimento, muito diferentes do desenvolvimento do capitalismo que já se expandia pela Europa.

Para a dominação do território, os Portugueses negociaram fraudulentamente com os Indígenas, bem como usara de violência, genocídio, seja por meio de armas ou doenças, bem como a escravização e a desconsideração deles enquanto seres humanos. Do mesmo modo, trouxeram negros da África, território que já estavam dominando, para serem brutalmente escravizados, a fim de consolidar uma economia sólida e lucrativa para a Coroa Portuguesa.

Por meio da criação das Capitanias Hereditárias e a concessão de Sesmarias, Portugal expandiu o seu domínio pelo território brasileiro, expulsando os Indígenas, escravizando os negros e enriquecendo os que hoje chamamos de latifundiários. Após a Lei de Terras de 1850, que reconhecia as posses consolidadas e transformava a terra em mercadoria, uma vez que a partir dela, só por meio da compra alguém poderia ter acesso à terra, os negros que formaram os quilombos e aqueles que foram libertos após a Lei Áurea, bem como os Povos Indígenas e os camponeses, bem como a natureza, foram expulsos da terra.

As políticas de regularização fundiária e o problema com as terras devolutas foram se prolongando pela História, até os dias atuais, com o aval do Ordenamento Jurídico. Nesse sentido, a partir do referencial teórico sobre terras devolutas, nos estudos de Lígia Osório, a partir da formação do espaço agrário brasileiro, com enfoque nas políticas de regularização fundiária e sobre as terras devolutas. 

Nesse sentido, a principal justificativa do tema está relacionada a importância do estudo crítico sobre a colonização, a escravidão e a respeito dos atuais problemas envolvendo as terras devolutas e a regularização fundiária em um país como o Brasil.

 O problema da pesquisa envolve o espaço agrário brasileiro atual enquanto resultado de um processo colonial e escravocrata, que formou os latifúndios e gerou conflitos agrários. A partir desse ponto, surge o questionamento: “Como enxergar o Direito Agrário a partir da formação do espaço agrário brasileiro, sobretudo quanto as políticas de regularização fundiária e sobre as terras devolutas? 

O objetivo geral é compreender como foram implementadas as políticas de regularização fundiária e sobre as terras devolutas e as suas influências na formação do espaço agrário no Brasil. Especificamente, pretende-se: a) fazer uma revisão sobre a formação do espaço agrário brasileiro, tendo como ponto de partida a colonização e a escravidão; b) compreender as políticas de regularização fundiária e sobre as terras devolutas ao longo da História do Brasil e; c) discutir sobre a efetividade da regularização fundiária. A metodologia utilizada é a hipotético-dedutiva, por meio da técnica de revisão bibliográfica.

1 A FORMAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO E O DIREITO AGRÁRIO

Nos estudos acerca do conceito de Direito e, sobretudo, do conceito de direito agrário, é importante salientar que existem diversas concepções sobre essas ciências. Quanto ao Direito Agrário, pode-se destacar que o seu âmbito é o meio rural, enquanto espaço agrário, ou seja, o objeto do Direito Agrário é o espaço rural (ZIBETTI, 2010).

Quanto ao Direito, autores mais positivistas o consideram como sendo o conjunto de normas estatais que regem uma sociedade. Dentre essas normas, tem-se a lei, a jurisprudência, os Decretos, Portarias, dentre outras (WARAT, 1994). No entanto, considerando o Direito enquanto expressão da vivência social e também quanto ao seu papel de organização e político, podemos chegar a um conceito mais amplificado.

Sobre o Direito Agrário, Benatti, et al (2015, p. 23-24) nos ensina que:

O direito agrário pode ser considerado como um dos mais novos ramos do direito moderno, pois só no começo do século XIX alguns doutrinadores italianos, espanhóis, franceses e latino-americanos iniciaram a discussão sobre a necessidade de uma sistematização de suas normas e institutos jurídicos. Levando em consideração, porém, que o direito agrário é o conjunto de normas, destinado a regulamentar as relações jurídicas que disciplinam a agricultura, entendida como o trabalho da terra para a produção dos vegetais e reprodução dos animais considerados indispensáveis ou úteis à vida humana, exploração das atividades agroextrativistas e a transformação, industrialização e comercialização destes produtos, se pode afirmar que sua origem coincide com o começo da história da civilização quando normas jurídicas substituíram a “lei do mais forte”. O nascimento da sociedade leva à consolidação de um conjunto de regras que normatizam a convivência entre os homens. É a consagração do antigo brocardo romano: ubi societas, ubi ius (onde existe sociedade, existe o direito).

Corroborando as linhas de entendimento do autor citado, o Direito Agrário sempre esteve presente na vida rural desde os primórdios da história da sociedade, entendida como sociedade de direito, ainda que na sua forma mais rudimentar. Já no que se refere ao uso da terra, o ser humano sempre o fez, tendo em vista que a própria vida humana e animal depende da terra para subsistir e se desenvolver, seja qual for o tipo de sociedade que se constitui (SOUZA FILHO, 2003).

Nesse trabalho, além da visão de Direito e de Direito Agrário trazidas, também serão feitas algumas explanações a respeito do processo colonial no Brasil e de como ocorreu a escravidão, principalmente porque são dois pontos muito relevantes da história do país, portanto, não podemos deixar de compreender. A ênfase trazida nesse artigo, está diretamente ligada em como o espaço agrário brasileiro se formou e como o sistema capitalista se consolidou.

Essas considerações servirão para demonstrar, ao final, o quanto a formação do espaço agrário no Brasil e o próprio Direito Agrário foram influenciados pelas construções advindas do período colonial, do chamado “descobrimento” ou “conquista”, das políticas que foram implementadas pelos colonizadores e dos artifícios que foram usados por eles para dominar e explorar a terra.

Além do mais, trata-se de entender, também, as influências geradas pela escravidão e os seus efeitos nos dias presentes, além de compreender o processo de independência. Todos esses pontos são muito importantes para estudar o processo de formação do espaço agrário no Brasil.

    • A COLONIZAÇÃO E A ESCRAVIDÃO COMO PILARES DA FORMAÇÃO SOCIO-ECONÔMICA DO BRASIL

Quanto estudamos, tanto a História das Sociedades Agrárias, quanto a Teoria Geral do Direito Agrário, compreendemos que o cenário agrário europeu se formou de maneira bem diferente do que aconteceu na América. Antes dos processos de cercamentos (enclosures), entendidos como literalmente cercar espaços de terra e dela se tornar dono, transformando a terra em propriedade privada, nos moldes capitalistas, na Europa o que vigorava eram os costumes, em um verdadeiro direito comum (THOMSON, 2013).

Quando os portugueses chegaram nas terras brasileiras, se depararam com os Povos Indígenas, que ali viviam de acordo com a sua cultura, sem a perspectiva do lucro. Para expandir os seus domínios por aquelas terras e enriquecer dos recursos naturais que viram, os portugueses praticaram a violência contra os Povos Indígenas. Além disso, desenvolveram o instituto das sesmarias, entregando grandes glebas de terras a europeus nobres, que tinham recursos suficientes para produzir na terra e entregar parte do lucro à Coroa Portuguesa (GUIMARÃES, 1963).

Além disso, a escravidão no Brasil foi marcada pelo tráfico ilegal de negros africanos, para aqui exercerem o trabalho, sobretudo o rural, nas grandes propriedades de terra. Esse trabalho não era assalariado, nem tampouco livre, mas sim, violento e forçado. Ressalta-se que o período escravocrata no Brasil foi o que forneceu a base da economia daquela época e resultou nos problemas de racismo contra os negros que temos hoje, em um verdadeiro mundo criado pela escravidão e pelos seus efeitos (SOUZA, 2019).

Assim, podemos dizer que o capitalismo se adentrou no Brasil de uma forma adaptada, utilizando-se da escravidão e, assim contrariando o processo moderno que se desenvolvia na Europa com o Renascimento, o Iluminismo e as Revoluções Burguesas. Desse modo, o conceito de raça foi criado para justificar a escravidão. Sobre essa temática, Quijano (2005, p.118):

Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados. Desde então demonstrou ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social universal, pois dele passou a depender outro igualmente universal, no entanto mais antigo, o intersexual ou de gênero: os povos conquistados e dominados foram postos numa situação natural de inferioridade, e consequentemente também seus traços fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais6. Desse modo, raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade. Em outras palavras, no modo básico de classificação social universal da população mundial.

Após essas considerações, é possível afirmar que a colonização e a escravidão foram a base da formação do espaço agrário brasileiro. A partir disso, passamos a entender como as bases coloniais e escravocratas foram delineando as estruturas sociais, que perduram até a atualidade no Brasil.

Sobre esse tema, Souza (2019, p. 42):

No Brasil, desde o ano zero, a instituição que englobava todas as outras era a escravidão, que não existia em Portugal, a não ser de modo muito tópico e passageiro. Nossa forma de família, de economia, de política e de justiça foi toda baseada na escravidão. Mas nossa auto-interpretação dominante nos vê como continuidade perfeita de uma sociedade que jamais conheceu a escravidão, a não ser de modo muito datado e localizado. Como tamanho efeito de auto-desconhecimento foi possível? Não é que os criadores e discípulos do culturalismo racista nunca tenham falado de escravidão. Ao contrário, todos falam. No entanto, dizer o nome não significa compreender o conceito

.

O que se extrai desse trecho, para esse trabalho, quanto à questão da regularização fundiária das terras devolutas no Brasil, é basicamente que ainda vivemos com uma estrutura agrária, política e economia que se baseia na época colonial e escravocrata.

  • A LEI DE TERRAS DE 1850 E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

Adentrando no estudo das leis que estiveram presentes desde a abolição da escravidão até a Constituição Federal de 1988, considera-se que a última é um marco importante para a democracia e os direitos à terra, principalmente porque consolidou e amplificou a questão da função social da terra e reconheceu direitos territoriais aos Povos Indígenas e os remanescentes de comunidades de quilombos (BRASIL, 1988).

Desse modo, a Lei de Terras de 1850 (Lei nº 601/1985) foi uma espécie de primeiro código agrário do Brasil. Foi promulgada um pouco antes da abolição da escravidão e intentava regularizar as posses já consolidadas, desde que fossem devidamente comprovadas, além de prever que novas propriedades só seriam garantidas por meio da compra.

Sobre esse tema, Gomes (2015, p. 263-264) assim nos ensina:

(...) A distribuição de terras no Brasil, desde o período colonial, favoreceu o estabelecimento de uma estrutura fundiária que se apoiou na grande propriedade e permitiu o desenvolvimento de uma elite econômica e política “simultaneamente vinculada aos interesses agrários e ao desempenho das funções do Estado”. Essa imbricação com a máquina estatal fez com que esta última estivesse permeável aos interesses privados desses homens brancos. Isso leva à identificação de pelo menos quatro aspectos. O primeiro é que (...), nos períodos colonial e imperial, é gestada, cristalizada e naturalizada a associação entre grandes propriedades individuais, homens brancos, privatização do poder e patriarcalismo. Esses grupos tiveram a capacidade de superar crises e refazer-se no período republicano (...)

Nessa parte, não são importantes, pelo menos nesse momento, a citação dos demais aspectos colocados pela autora, porque o que interessa aqui, é demonstrar justamente como se formou o espaço agrário brasileiro, a partir das práticas coloniais já trabalhadas no primeiro capítulo, na escravidão e na formação do latifúndio, bem como na ausência de uma regularização fundiária efetiva para promover a justiça social.

A escravidão no Brasil foi a última a ser abolida definitivamente, com a Lei Áurea de 1888. Antes disso, a Lei Eusébio de Queiroz proibiu o tráfico negreiro, a Lei do Ventre Livre previu que filhos de escravos nasciam livres e, a Lei dos Sexagenários previu que escravos que completassem setenta anos seriam libertos.

Entre 1822 e 1850, predominou no Brasil o período conhecido como “período das posses”, tendo em vista que os sesmeiros, ainda que com sesmarias revogadas, os posseiros sem título, enfim, uma situação caótica dominava o país. Desse modo, a Lei de Terras de 1850 pretendia “organizar” a situação, mas acabou consolidando o latifúndio, especialmente devido às dificuldades que os pequenos posseiros tinham quanto à regularização legal de suas posses, bem como os registros fraudulentos presentes naquela época (OSÓRIO, 2008).

Assim, a partir daí e, mesmo com a Independência do Brasil, os latifúndios se consolidaram, enquanto muita gente ficou sem terra. Deve-se considerar, também, que os escravos libertos também não tinham terra, nem os Indígenas. Portanto, o cenário atual é fruto dessa construção do passado.

O que se destaca nesse cenário é a questão das terras devolutas. Na época colonial, as terras que os sesmeiros não conseguiam cultivar eram devolvidas à Coroa Portuguesa (terras devolutas). Mas esse conceito foi se modificando ao longo do tempo, como bem explica Osório (2008, p. 44):

O sentido original do termo “devoluto” era “devolvido ao senhor original”. Terra doada ou apropriada, não sendo aproveitada, retornava ao senhor de origem, isto é, à Coroa Portuguesa. Na acepção estrita do termo, as terras devolutas na Colônia seriam aquelas que, doadas de sesmarias e não aproveitadas, retornavam à Coroa. Com o passar do tempo, as cartas de doação passaram a chamar toda e qualquer terra desocupada, não aproveitada, vaga, de devoluta; assim, consagrou-se no linguajar oficial e extraoficial devoluto como sinônimo de vago.

Com a Lei de Terras de 1850, as terras devolutas passaram a ser do Império (depois Estado), que poderia vende-las. Além disso, a Lei trouxe um novo conceito para terras devolutas, definindo-as como aquelas que não estivessem sob domínio particular, não fossem havidas por sesmarias e outros tipos de concessões, incluindo as que fossem ocupadas por posses regularizadas pela Lei de Terras.

 

3 AS POLÍTICAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E AS TERRAS DEVOLUTAS

A Constituição Federal de 1988 foi um marco no Ordenamento Jurídico Brasileiro, especialmente porque reconheceu direitos fundamentais muito importantes, além dos direitos territoriais dos Povos Indígenas e dos remanescentes das comunidades de quilombos. Então, quanto aos territórios indígenas e quilombolas, a Constituição trata de modo específico, nos artigos 231 (Carta) e 68 (ADCT).

No que tange à questão da propriedade privada da terra, a Carta Maior manteve o direito de propriedade, mas consolidou o seu status relativo, determinando que toda propriedade deve cumprir uma função social, que está ligada à questão socioambiental, ou seja, ambiental, econômica e social (VIDOTTE; RODRIGUES, 2015; BRASIL, 1988), podendo ser desapropriada, desde com indenização, sempre que não cumprir essa função social ou socioambiental.

Atualmente, quanto as políticas de regularização fundiária em terras devolutas, são regidas pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Terra de 1964. A CF/1988 criou condições para uma regularização ampla de todo o território brasileiro, se debruçando na função social da propriedade. Além disso, reconheceu os direitos territoriais dos Povos Indígenas e remanescentes de quilombos. 

Baseando-se na mobilização e na participação social, a Carta Magna previu as desapropriações para Reforma Agrária ou por interesse social. Em relação ao Estatuto da Terra, este estabeleceu normas para regular os direitos e as obrigações quanto aos imóveis rurais, a Política Agrícola Brasileira e a Reforma Agrária. No período em que foi promulgado (Golpe Militar de 1964), o Estatuto da Terra não foi efetivado, mas hoje serve como legislação para direcionar as Políticas Agrícolas do país (BRASIL, 1964; BRASIL, 1968).

Cada Estado deve elaborar e executar as suas legislações sobre regularização fundiária de suas terras devolutas. Nesse olhar, é de responsabilidade do Estado definir quais são as suas terras devolutas e, nesse ponto, existem ainda, na atualidade, diversas irregularidades a respeito dessas demarcações, sobretudo devido ao problema da grilagem de terras.

Sobre a questão, Benatti, et al (2015, p. 52):

O domínio das terras devolutas pode ser da União, estados e municípios, estes especialmente após o advento da Emenda Constitucional nº 46. Incluem-se entre os bens do Estado as terras devolutas não pertencentes à União e os rios que tenham nascentes e foz em terras estaduais, e, aos municípios aquelas que estejam localizadas no âmbito de sua légua patrimonial, não pertencentes ao estado ou à União. As terras devolutas se diferenciam das terras pertencentes ao patrimônio público mesmo que as duas sejam consideradas bens públicos, pois as terras devolutas são aquelas que não se acham aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, que não haja legitimamente sido incorporadas ao domínio privado (...)

É relevante observar que o Brasil até hoje não sabe ao certo qual a totalidade de suas terras devolutas. Isso pode ser visto, por exemplo, na Lei de terras devolutas do Estado de Goiás, que assim prevê: “Art. 10. O Estado de Goiás promoverá a discriminação das terras devolutas estaduais, incorporando-as ao seu patrimônio, mediante procedimento discriminatório administrativo ou judicial”. Com isso, percebe-se que ainda é um objetivo a discriminação dessas terras.

A ausência de uma discriminação efetiva das terras devolutas federais, estaduais e municipais, unido à questão da grilagem de terras, representam, ainda hoje, um grave problema a ser enfrentado por meio das políticas de regularização fundiária no Brasil.

CONCLUSÃO

Enfim, podemos concluir, que o processo colonial brasileiro, de base econômica escravocrata, marcou a história do país, deixando graves sequelas, sendo uma delas os conflitos e indefinições quanto à regularização fundiária das terras devolutas. Estas, entendidas em seu conceito atual, como aquelas terras que não estão sob o domínio privado e também não se configuram como bens do patrimônio público.

Na época da colonização, o que regulava o uso das terras eram as Ordenações Filipinas, assim, os sesmeiros não tinham um título de propriedade individual. Já, entre os anos de 1822 e 1850, predominou no Brasil o período conhecido como “período das posses”, tendo em vista que os sesmeiros, ainda que com sesmarias revogadas, os posseiros sem título, enfim, uma situação caótica dominava o país.

Com o advento da Lei de Terras de 1850 (Lei nº 601/1850), as terras que estavam sob posse seriam regularizadas e as terras devolutas seriam vendidas pelo Império (depois Estado). Mas, os pequenos posseiros enfrentaram diversos tipos de dificuldades para regularizarem as terras que ocupavam, sendo que a Lei de Terras de 1850 serviu mais para consolidar o latifúndio e mercantilizar a terra, sendo que, para os escravos recém-libertos, os Indígenas e os camponeses, era impossível comprar terras. Assim, a partir daí e, mesmo com a Independência do Brasil, os latifúndios se consolidaram, enquanto muita gente ficou sem terra. 

Com o Estatuto da Terra de 1964, previu-se as normas para desenvolver uma política agrícola no Brasil, no entanto, devido ao período em que foi promulgada (Golpe de 1964), se tornou letra morta e não teve efeitos práticos efetivos, sobretudo no que refere à reforma agrária e à regularização das terras devolutas.

Só com a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu mecanismos para uma ampla regularização fundiária das terras brasileiras, bem como reconheceu os direitos territoriais indígenas e quilombolas, é que se possibilitou a criação de políticas de regularização fundiária mais alcançáveis, sendo que, nos dias de hoje, as políticas de regularização fundiária em terras devolutas são regidas pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Terra de 1964.

No entanto, por meio dos estudos realizados nesse trabalho, podemos afirmam que ainda existem muitos desafios a serem enfrentados pelo Brasil, no que se refere à efetiva delimitação de suas terras devolutas, sendo elas pertencentes à União, aos Estados ou aos Municípios.

Isso se deve, especialmente, pela ausência de uma regularização fundiária efetiva por parte dos entes federativos, bem como ao problema que o país tem com a grilagem de terras. Tudo isso, aliado à ausência de políticas públicas efetivas, torna esse processo ainda muito deficiente.

A parti dessas explanações, o Direito Agrário, no Brasil, deve ser pensado a partir da formação do espaço agrário, tanto territorial, quanto político, social e econômico, para dar conta de toda a complexidade que envolve as temáticas dentro dessa área de concentração do Direito.

ABSTRACT

This research deals with a new understanding of Agrarian Law, from the formation of the Brazilian agrarian space, with a focus on land regularization policies and on vacant lands. The colonization of Brazil consisted of a period of domination and violence over Indigenous and African Peoples, as well as slavery and genocide, in addition to the exclusion of nature. In this sense, the problem of land tenure and vacant lands is still present today. In this context, the main justification of the theme refers to the scarcity of research in the academic field regarding the vision of Agrarian Law from the colonial and slave-making perspective. The question that guides the work is: How to see Agrarian Law from the formation of the Brazilian agrarian space, especially regarding land tenure regularization policies and on vacant lands? The general objective is to understand how land tenure and vacant land regularization policies and their influences on the formation of agrarian space in Brazil were implemented. Specifically, the aim is to: a) carry out a socio-historical review of the formation of the Brazilian agrarian space, taking colonization and slavery as its starting point; b) understand the land tenure and vacant land policies throughout the history of Brazil and; c) discuss the effectiveness of land regularization. The methodology used is hypothetical-deductive, using the literature review technique.

Keywords: Agrarian Law. Property right. Land Law of 1850. Land Regularization. Vacant Lands.

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